Refugiados e o acesso aos serviços de saúde durante a pandemia

Ann Burton, chefe da Seção de Saúde Pública do ACNUR, destaca os perigos que o novo coronavírus representa para refugiados e pessoas deslocadas, e descreve como o ACNUR está trabalhando para diminuir sua propagação, reduzir seu impacto e salvar vidas.


A maioria dos 25,9 milhões de refugiados do mundo vive em países em desenvolvimento, onde as unidades de terapia intensiva costumam ter menos leitos e menos ventiladores. Qual a importância da prevenção de epidemias entre as populações de refugiados?

É verdade que muitos refugiados vivem em países anfitriões com alguns dos sistemas de saúde mais fracos do mundo. Um surto pressionaria de forma extraordinária os frágeis serviços de saúde locais, e provavelmente resultaria em sofrimento com morte evitáveis.

Prevenir ou retardar os surtos, principalmente entre os mais vulneráveis, é a ação mais importante que podemos tomar no momento. Mesmo se houvesse apenas um pequeno número de casos agudos de COVID-19, ainda sim o acesso ao alto nível de atendimento necessário para os casos mais graves seria limitado.

A prevenção é a melhor maneira de proteger refugiados e comunidades anfitriãs.

 

Por que é importante garantir que refugiados, solicitantes de refúgio, apátridas e migrantes tenham acesso a serviços e instalações de saúde sem enfrentar discriminação?

A COVID-19 demonstra claramente que estamos todos conectados: não importa onde vivamos, não importa quem somos. O vírus não conhece religião, etnia, nem fronteiras. Todas as pessoas, especialmente os mais vulneráveis ​​- incluindo refugiados, solicitantes de refúgio e apátridas – devem ter acesso aos serviços de saúde.

O fato é que todos se beneficiam quando esses grupos têm acesso aos serviços de saúde. É do interesse de todos. Ajuda a impedir a propagação do vírus. Essa deve ser sempre a nossa prioridade.

Políticas inclusivas e não discriminatórias são necessárias para combater a COVID-19. Caso contrário, as barreiras aos cuidados de saúde e a discriminação criam um ambiente em que os doentes não são tratados, os casos não são detectados e o vírus se espalha.

 

O vírus provoca medos e ansiedade profunda nas pessoas e na sociedade. Quais são as consequências para a saúde pública se as pessoas direcionarem esse medo aos refugiados e outras pessoas à margem da sociedade?

Sentir medo e ansiedade é uma resposta normal, mas devemos evitar que as pessoas transformem esse medo e ansiedade em xenofobia.

Acima de tudo, culpar os refugiados por um surto de COVID-19 pode fazer com que os refugiados não se sintam seguros em procurar aconselhamento ou até mesmo se recusar a buscar atendimento médico. Isso não seria do interesse de ninguém.

Coletivamente, nunca vivemos uma situação como essa, com fronteiras fechando e diversos lugares em quarentena em uma escala global. Enquanto o cenário for este, devemos tomar precauções para cuidar da nossa própria saúde mental e dos que estão à nossa volta.

 

O ACNUR já lidou com epidemias anteriores, incluindo surtos de Ebola, cólera, zika e SARS. Como essa experiência e conhecimento estão sendo utilizados no combate à pandemia da COVID-19? E que lições podemos compartilhar com o mundo a partir de nossa experiência em combater a propagação de epidemias entre as populações de refugiados?

Aprendemos muitas lições importantes da resposta ao Ebola e outros surtos.

Primeiro: preparação, preparação, preparação! Nunca é demais reforçar a importância de estar pronto. E assim, o ACNUR elaborou extensos planos e medidas de preparação que estão integrados aos planos nacionais.

Em segundo lugar, tentamos e testamos métodos para lidar com esses surtos. Identificamos equipes de resposta a surtos para cada assentamento e campo. Temos sistemas de referência para amostras de laboratório e estamos pré-posicionando suprimentos de laboratório, incluindo cotonetes, recipientes de amostras e sistemas de vigilância.

Também aprendemos que as respostas multissetoriais são fundamentais. Uma única resposta coordenada reúne água, saneamento e higiene, coordenação e gerenciamento de campos, educação, planejamento de abrigos e locais e proteção com base na comunidade.

As epidemias anteriores mostraram como é vital envolver os refugiados desde o primeiro dia, tanto para entender suas preocupações na resposta a surtos quanto para garantir que levemos em consideração as sensibilidades sociais e culturais.

Sabemos o quanto é importante garantir a continuidade dos serviços de saúde prioritários para garantir que não haja aumento da mortalidade por outras condições.

Outra consideração crucial é o monitoramento da proteção. Isso ajuda a garantir que os refugiados e outras pessoas sob o mandato do ACNUR não corram mais risco por conta de medidas que não são pautadas pelos fundamentos da saúde pública, como informações erradas, medo de estrangeiros ou outras atitudes estigmatizantes.

Por último, mas não menos importante, a inclusão de refugiados nas respostas nacionais é fundamental. As doenças transmissíveis só podem ser controladas com uma abordagem integrada e inclusiva. Os serviços nacionais de saúde geralmente precisam de apoio, especialmente porque os refugiados geralmente vivem em partes isoladas e remotas de países onde os serviços de saúde são mais fracos.

 

O ACNUR aumentou seus estoques médicos? Pode nos contar o que está sendo feito em termos de treinamento de profissionais de saúde, atividades de conscientização pública e monitoramento de sintomas?

Estamos armazenando medicamentos essenciais e equipamentos médicos, incluindo concentradores de oxigênio. Estamos distribuindo sabão para a comunidade em geral. Também estamos promovendo ações de higiene e distribuindo desinfetante para as mãos para profissionais de saúde e outros funcionários que trabalham em unidades de saúde que o ACNUR está apoiando.

Intensificamos o treinamento da equipe em identificação precoce, notificação, gerenciamento de casos e rastreamento de contatos, coleta, análise e interpretação de dados.

O Sistema de Informação sobre Saúde do ACNUR está nos ajudando a monitorar a situação. Ele inclui um sistema de alerta precoce para notificar as operações do país em caso de aumento de doenças respiratórias agudas.

 

Você poderia descrever seu papel como chefe da seção de saúde pública do ACNUR e como você está trabalhando atualmente com colegas da linha de frente de todo o mundo no combato à COVID-19?

Estamos trabalhando com as equipes de saúde pública do ACNUR e equipes regionais e nacionais. Estamos em contato regular com todos os funcionários para responder perguntas e receber feedback. Realizamos seminários on-line semanais com atualizações sobre a situação da COVID-19 para fornecer novas orientações e respostas a perguntas relacionadas às operações do ACNUR. Também estamos analisando como apoiar nossas operações não apenas em preparação à COVID 19, mas também para garantir a continuidade dos serviços essenciais de saúde.

Também estamos apoiando os esforços de mobilização de recursos e ajudando os países a identificar lacunas e necessidades com base na estratégia geral de resposta ao coronavírus.

 

Que medidas concretas o ACNUR está tomando para lidar com um possível surto em um campo de refugiados ou entre os muitos refugiados que vivem fora dos campos? Que desafios você está enfrentando?

Temos estoque de suprimentos, incluindo equipamento de proteção individual (EPI) para a equipe de saúde. Estamos comprando desinfetantes, suprimentos para gerenciar resíduos médicos, materiais de laboratório, produtos farmacêuticos e equipamentos médicos para lidar com os casos.

Melhoramos as condições de água, saneamento e higiene e preparamos instalações de isolamento em campos e assentamentos selecionados.

Em locais que abrigam refugiados, estamos treinando profissionais de saúde em vigilância, gerenciamento de casos, prevenção e controle de infecções.

Estamos monitorando as restrições à liberdade de movimento e acesso ao refúgio com base em medos reais ou percebidos pela transmissão do coronavírus. O ACNUR vem adaptando os materiais de informação, educação e comunicação, levando sempre em consideração as necessidades linguísticas e culturais dos refugiados.

No momento, o maior desafio é garantir que não haja barreiras aos refugiados que acessam os sistemas nacionais de saúde. Outro desafio, assim como para a maioria dos países e organizações, é a aquisição de EPI, medicamentos e suprimentos para o tratamento de casos agudos de COVID-19.

 

Como os doadores e apoiadores podem ajudar os esforços do ACNUR e de seus parceiros?

Apoie o ACNUR agora! Não há um dia a perder. Apoie nossos planos de preparação e resposta à COVID-19. Quanto mais você apoiar nossas atividades de saúde, água, saneamento, higiene e proteção por meio de contribuições financeiras, mais seremos capazes de impedir ou mitigar o impacto direto do coronavírus.

Os doadores podem ajudar a parar esta pandemia. Além disso, ao apoiar o ACNUR, eles podem ajudar a reduzir os impactos secundários provocados pelo vírus: perda de meios de subsistência, aulas interrompidas e potencial instabilidade social.

 

 

Fonte: https://www.acnur.org/