Por Pedro Ganem
A guerra na Síria, que tanto tem afligido sua população e comovido o mundo, certamente tem em Aleppo seu maior símbolo. Hoje, Aleppo está para Síria como Sarajevo para Bósnia ou Beirute para o Líbano. Imagens de sua destruição, apelos dramáticos de seus habitantes, que vivem sem terem o mínimo para sobreviver com dignidade, ou então são obrigados a deixar suas casas, sua cidade, seu país, não saem de nossas cabeças.
Como esquecer o garotinho de 5 anos coberto de poeira e sangue, sentado em uma ambulância após sua casa ser bombardeada? Ou o vídeo de meninos e meninas órfãos, pedindo ajuda desesperadamente a comunidades internacionais? Ou a menina Yasmin, que pede ajuda em vídeo e diz que essa pode ser a última vez que ela é vista viva?
Uma infância inteira devastada, uma geração que não sabe se terá futuro.
Mas, nem sempre foi assim. Hoje, a Humanigi vai levar você para uma viagem até a Aleppo alegre.
Aleppo, chamada pelos árabes de Halab, é a maior cidade e o principal centro econômico da Síria. Localizada ao norte do país, antes da guerra tinha uma população estimada em mais de 5 milhões de habitantes o que fazia dela a cidade mais populosa da Síria. Uma das cidades mais antigas do mundo foi a terceira maior cidade do império otomano.
Por estar localizada a cerca de 50 quilômetros da Turquia, e no meio do caminho entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Eufrates, Aleppo tem um valor estratégico muito grande.
Salvando a memória de Aleppo
Com uma oferta cultural variada, um centro histórico importante e uma vida noturna intensa, Aleppo foi declarada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Infelizmente, grande parte da cidade, e desse patrimônio, foi destruída pela guerra.
A memória de Aleppo corre o sério risco de ser destruída por completo. Mas não se depender do trabalho incansável de um homem chamado Alaa al-Sayyed. Há mais de 10 anos ele encontrou no porão da casa de seus sogros um acervo impressionante de fotos esquecidas ali há décadas, que retratavam a vida em Aleppo nos anos de 1920 e 1930. Desde então al-Sayyde tem, segundo palavras dele, mergulhado na história da cidade.
Com o início da guerra várias bibliotecas foram destruídas, al-Sayyde que já fazia um trabalho de digitalizar documentos e fotos históricas, fotografando um a um, intensificou esse processo, salvando o máximo da história de Aleppo. Usando recursos próprios e contando com ajuda de voluntários, digitalizou livros raros, documentos do governo, jornais do século 19 e até registros familiares e mapas. Mesmo os mapas recentes foram salvos e ganharam uma grande importância, uma vez que o traçado da cidade vem sendo alterado diariamente com a guerra.
Al-Sayyed, em 2010, publicou o livro Aleppo’s History in Pictures (“A História de Aleppo em Fotos”) e em 2014, lançou o Arquivo Nacional de Aleppo, usando uma página no Facebook para divulgá-lo.
Acesse aqui a página no Facebook
Comentários emocionados na página do Facebook demonstram o sentimento dos habitantes de Aleppo:
‘Eu não lhe disse que é a cidade mais bonita e elegante do mundo?’.
“Que sua alma descanse em paz, Aleppo… Eu não posso respirar sem o seu ar”.
“Que Deus traga de volta as manhãs passadas em Aleppo”.
Sem dúvida seu trabalho será de grande importância para a reconstrução da cidade.
Aleppo, uma cidade cosmopolita
Considerada uma das cidades mais cosmopolitas do mundo, com um toque de Oriente Médio, Aleppo abrigou por muitos anos muçulmanos sunitas, alauitas, cristãos grego-ortodoxos, siríacos e judeus.
Quando os turcos otomanos executaram o Genocídio Armênio, na Primeira Guerra Mundial, Aleppo foi o refúgio dos armênios, assim como abrigou iraquianos que fugiram da invasão americana em 2003.
A importância comercial de Aleppo
Com o passar dos anos Aleppo passou a ser a capital comercial da Síria, deixando para a capital Damasco o poder político. Naquela época o arabismo falava mais alto, não importando a religião, o mais importante era ser sírio ou árabe.
Com a chegada de Bashar al-Assad ao poder, aos 34 anos de idade, a Síria abriu sua economia ao setor privado, beneficiando Aleppo. Os refugiados iraquianos também ajudaram muito no desenvolvimento da cidade. Outro fator que ajudou no enriquecimento da cidade foi a aproximação da Síria com a Turquia, entre 2007 e 2008.
Aleppo antes da guerra
Antes do início da guerra Civil na Síria, Aleppo vivia um de seus melhores momentos. Era roteiro certo de turistas vindos da Europa, para visitar seus suqs, que são mercados árabes, igrejas e mesquitas centenárias. Sua vida noturna era um atrativo para turistas de países do Golfo Pérsico, como Arábia Saudita e Kwait, que iam atrás de seus restaurantes e boates.
Pontos turísticos de Aleppo
Podemos destacar alguns pontos turísticos e históricos que existem ou existiam em Aleppo.
-Cidadela de Aleppo – Grande palácio medieval fortificado.
-Mesquita Khusruwiyah – Mesquita construída em 1547.
-Bāb Antakiya – Portões de Antioquia, construído há séculos para proteção de Aleppo.
-Mesquita Omíada de Alepo – A Grande Mesquita de Aleppo construída no século XIII.
-Al Sabeel Garde – Considerado o mais bonito jardim da Síria, aberto em 1947.
-Museu Nacional de Aleppo – O maior do país, fundado em 1931.
-Matbakh al Ajami – Palácio construído no século XIII
A reconstrução de Aleppo
Após a retomada de Aleppo pelo governo sírio, um ar de esperança voltou a circular. A ONU e o governo da Síria começaram a traçar planos para sua reconstrução.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que fornece ajuda financeira e de equipamentos específicos, irá focar na parte antiga da cidade, qualificada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, 400 pessoas estão nesse projeto, sendo que 50 participam da recuperação de peças artesanais sepultadas sob os escombros, enquanto que os demais limpam as ruas do centro antigo.
Por outro lado, ONG’s e grupos de voluntários trabalham em bairros de Aleppo e em centros de refugiados, ajudando aos moradores e reconstruir suas casas.
O governo faz o máximo para restabelecer o mais rápido possível os serviços básicos para que os moradores retornem a seus lares.
Faz parte do projeto a avaliação dos prédios, para saber se podem ser reformados ou demolidos.
A recuperação de 50 escolas, 5 centros de saúde e hospitais e a reativação das fábricas vão garantir a volta à normalidade a Aleppo.
A esperança de volta
Aleppo tenta voltar a ser, depois do caos causado por uma guerra insana, a Aleppo vibrante, com muita vida, muita alegria e recuperar seu patrimônio histórico secular, quase devastado pela guerra. Quer deixar para trás a imagem que cansamos de ver nas mídias, guerra, destruição, tristeza, famílias sendo dizimadas, infâncias sendo destruídas.
Todos, de alguma forma, podemos e devemos participar desse desafio de reconstruir Aleppo.
A Humanigi quer fazer parte ativa dessa recuperação, poder proporcionar a conexão entre pessoas que querem participar dessa ajuda e as que estão precisando, mais do que tudo, da solidariedade.
Nós queremos que as futuras gerações de Aleppo e da Síria em geral, possam ter uma chance de sentir que mesmo com toda a devastação que viveram, de terem sua infância destruída, suas famílias ceifadas e sua cidade arrasada, a solidariedade humana existe.
Nós acreditamos nisso. Acredite também.